segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Daniela

I:

Quando ele me apareceu
Parecia vir do fundo;
Mas queria dar-me o mundo
E em todo o segundo
Dele duvidei

O seu olhar misterioso
Parecia ler-me o corpo;
E eu, criança de muita cor
Dei-lhe o meu voto de amor
E dele me descartei

Ele dizia que me queria
Que por mim esperaria
Enquanto eu andava em viagem;
E eu estranhava a sua fome
Ao ler no telefone
A seguinte mensagem:
“Oh Daniela, não tenhas medo de mim!”

II:
Depois de o afastar
Fiquei perdida sem amor
A chorar de tanta dor;
Num desmaio para viver melhor
A me alimentar de comprimidos

Deixei de ser inerte
Virei transparente;
E incapaz de lho dizer
Tímida, jurei morrer
Sem amores ressentidos

Ele ficou de mal a pior
Mas arranjou um novo amor
Que dizia detestar
Dizia ainda que estava afundado
Que eu não era só passado
E fazia questão de lembrar:
“Oh Daniela, eu não me esqueço de ti!”

III:

Demorou, mas venci a dor
Ele deixou o seu outro amor;
Voltou a dar-me vida
Beijou-me na rua escondida
Do nosso subúribio

Aos poucos perdi o temor
Entreguei-lhe o meu suor;
No seu corpo fiquei louca
Ao vê-lo despir-me a roupa
Sem qualquer distúrbio

Ele dizia que o céu não tinha fim
Que cuidava sempre de mim
Que no meu ventre tinha renascido
E enquanto me limpava a sina
Dizia-me sua menina
Segredando-me ao ouvido:
“Oh Daniela, eu dava a vida por ti!”

IV:

Mas no nosso céu estrelado
Quis desentarrar o passado;
Falei-lhe do que vivi
Dos homens com que o traí
Na primeira fase, a infantil

Ele ficou moribundo
A tremer como um vagabundo;
A tropeçar em cada metro de chão
A vomitar na minha mão
Num estado pós-febril

E dizia ser um fraco
Enchia de cuspo o seu prato
Afastava-se para fumar
E sentia-se o mais enganado
O meu menino tão abalado
Não se cansava de perguntar
“Oh Daniela, o que ele tinha além de mim?”

V:

Desde então a minha culpa só cresce
De noite ele não adormece;
Já nem vê o lado bom da história
Um escravo da sua memória
Comigo há-de casar

Vou guardá-lo no meu umbigo
O meu menino deprimido;
Vai continuar a ter-me crua
A ganhar paz ao ver-me nua
O céu irá sempre estrelar

Pode sempre partir-me um osso
Ou então morder-me o pescoço
A não ser para me deixar;
Fiz os papéis invertidos
Sou hoje aguia dos seus sentidos
Em jeito de o ouvir cantar
“Oh Daniela, toma conta de mim!”