I:
Quando ele me apareceu
Parecia vir do fundo;
Mas queria dar-me o mundo
E em todo o segundo
Dele duvidei
O seu olhar misterioso
Parecia ler-me o corpo;
E eu, criança de muita cor
Dei-lhe o meu voto de amor
E dele me descartei
Ele dizia que me queria
Que por mim esperaria
Enquanto eu andava em viagem;
E eu estranhava a sua fome
Ao ler no telefone
A seguinte mensagem:
“Oh Daniela, não tenhas medo de mim!”
II:
Depois de o afastar
Fiquei perdida sem amor
A chorar de tanta dor;
Num desmaio para viver melhor
A me alimentar de comprimidos
Deixei de ser inerte
Virei transparente;
E incapaz de lho dizer
Tímida, jurei morrer
Sem amores ressentidos
Ele ficou de mal a pior
Mas arranjou um novo amor
Que dizia detestar
Dizia ainda que estava afundado
Que eu não era só passado
E fazia questão de lembrar:
“Oh Daniela, eu não me esqueço de ti!”
III:
Demorou, mas venci a dor
Ele deixou o seu outro amor;
Voltou a dar-me vida
Beijou-me na rua escondida
Do nosso subúribio
Aos poucos perdi o temor
Entreguei-lhe o meu suor;
No seu corpo fiquei louca
Ao vê-lo despir-me a roupa
Sem qualquer distúrbio
Ele dizia que o céu não tinha fim
Que cuidava sempre de mim
Que no meu ventre tinha renascido
E enquanto me limpava a sina
Dizia-me sua menina
Segredando-me ao ouvido:
“Oh Daniela, eu dava a vida por ti!”
IV:
Mas no nosso céu estrelado
Quis desentarrar o passado;
Falei-lhe do que vivi
Dos homens com que o traí
Na primeira fase, a infantil
Ele ficou moribundo
A tremer como um vagabundo;
A tropeçar em cada metro de chão
A vomitar na minha mão
Num estado pós-febril
E dizia ser um fraco
Enchia de cuspo o seu prato
Afastava-se para fumar
E sentia-se o mais enganado
O meu menino tão abalado
Não se cansava de perguntar
“Oh Daniela, o que ele tinha além de mim?”
V:
Desde então a minha culpa só cresce
De noite ele não adormece;
Já nem vê o lado bom da história
Um escravo da sua memória
Comigo há-de casar
Vou guardá-lo no meu umbigo
O meu menino deprimido;
Vai continuar a ter-me crua
A ganhar paz ao ver-me nua
O céu irá sempre estrelar
Pode sempre partir-me um osso
Ou então morder-me o pescoço
A não ser para me deixar;
Fiz os papéis invertidos
Sou hoje aguia dos seus sentidos
Em jeito de o ouvir cantar
“Oh Daniela, toma conta de mim!”
sábado, 18 de outubro de 2008
Cães como fomos
Querias-me até à exaustão do pecado
Quando te levei o medo de morrer
A doze escreveste-me uma carta
Desculpa, demorei tanto a responder
Não foi por preguiça ou esquecimento
Nunca escreveste matéria desprezada
Mas é que a resposta só podia chegar
Quando nela já estivesses desinteressada
Fiz de ti a princesinha mais mórbida
E tu chamas-me talento e genialidade
Cachopa, não te quero a espumar da boca
Sim, ainda me lembro da tempestade
Quando te levei o medo de morrer
A doze escreveste-me uma carta
Desculpa, demorei tanto a responder
Não foi por preguiça ou esquecimento
Nunca escreveste matéria desprezada
Mas é que a resposta só podia chegar
Quando nela já estivesses desinteressada
Fiz de ti a princesinha mais mórbida
E tu chamas-me talento e genialidade
Cachopa, não te quero a espumar da boca
Sim, ainda me lembro da tempestade
Vibrei a alma com a história do combóio
Espantou-me a tua solitária ida ao cinema
Não encontrei resposta para a quinta linha
Banal me achei ao escrever este poema
É certo que já me escapou o título de ídolo
Depois da bebedeira que te fez sair à rua
Mas não, não matei nada na minha obra
Os meus votos de prosperidade para a tua
quarta-feira, 15 de outubro de 2008
Dor De Corno
O meu velho avô
Passava a vida a dizer
Que a dor de corno
É a melhor das inspirações
Que um homem pode ter
Não o consigo perceber
Talvez seja da minha idade
É que, meu velho avô
A mim só me tira a vontade
De puxar a criatividade
E de escrever canções
Meu velho avô,
Um dia vais perceber
Que a dor de corno
Só existe para nos fazer ver
Como nós somos
Fracos, descartáveis;
Autistas vulneráveis
Incapazes de pensar para criar
Matéria para tocar corações
Olha, meu velho avô
Não consigo ser elouquente
Mas venço-te por incoerente
Neste jogo de fanfarras
A rebaixar as palavras
Sabes, aquela mulher
É venenosa a fazer sofrer
Gosta sempre de trair
E de me deixar a parir
Palavras com baixo ego
Para conseguir fugir
Ao ódio que lhe renego;
Sou incoerente até mais vir...
Passava a vida a dizer
Que a dor de corno
É a melhor das inspirações
Que um homem pode ter
Não o consigo perceber
Talvez seja da minha idade
É que, meu velho avô
A mim só me tira a vontade
De puxar a criatividade
E de escrever canções
Meu velho avô,
Um dia vais perceber
Que a dor de corno
Só existe para nos fazer ver
Como nós somos
Fracos, descartáveis;
Autistas vulneráveis
Incapazes de pensar para criar
Matéria para tocar corações
Olha, meu velho avô
Não consigo ser elouquente
Mas venço-te por incoerente
Neste jogo de fanfarras
A rebaixar as palavras
Sabes, aquela mulher
É venenosa a fazer sofrer
Gosta sempre de trair
E de me deixar a parir
Palavras com baixo ego
Para conseguir fugir
Ao ódio que lhe renego;
Sou incoerente até mais vir...
sábado, 11 de outubro de 2008
Queimaduras
Acendia cigarros. Mas a raiva não me permitia fumar, acabando a morde-los e a desfaze-los aos bocados no interior da minha boca. O primeiro a ser alimento era o filtro. Dele se seguia todo o resto do cigarro, fazendo com que o fosse sempre iniciando um pouco mais à frente. No fim, após queimar os dedos, dizia olá a todos os meus vizinhos, palpitava três anti-depressivos e fazias três vénias aos meus pulmões pela sua limpidez.
quinta-feira, 9 de outubro de 2008
Desconstrução
Os fins-de-tarde
Do viúvo circuncisado
São mais que perfeitos
Para o polícia castrado
Sonho ser a menina circuncisada
Que dorme na berma das estrada
Por ter enviuvado a cunhada
Quando pela polícia foi menina procurada
Mas sou menina a castrada
À procura de um fio à meada
Para esta escrita desintegrada
Viúva, policial e cansada
Do viúvo circuncisado
São mais que perfeitos
Para o polícia castrado
Sonho ser a menina circuncisada
Que dorme na berma das estrada
Por ter enviuvado a cunhada
Quando pela polícia foi menina procurada
Mas sou menina a castrada
À procura de um fio à meada
Para esta escrita desintegrada
Viúva, policial e cansada
Apresentação
Sou parte intrusa na vida
Tenho os nervos a transbordar
No meio desta arte oprimida
Falta-me tempo para não pensar
Quero sempre matar-me
Apenas não mato
Porque eliminar-me a mim
Não eliminaria do fim
O dia do meu parto
Não me quero recordado
Temo rosas na campa
Quero ser posto de lado
Do futuro e do passado
Como o pássaro que não canta
Sento-me no mundo a brincar
Calmamente a criar
Histórias para o mundo recordar
No dia em que o meu denso mar
De tão seco quiser secar
Tenho os nervos a transbordar
No meio desta arte oprimida
Falta-me tempo para não pensar
Quero sempre matar-me
Apenas não mato
Porque eliminar-me a mim
Não eliminaria do fim
O dia do meu parto
Não me quero recordado
Temo rosas na campa
Quero ser posto de lado
Do futuro e do passado
Como o pássaro que não canta
Sento-me no mundo a brincar
Calmamente a criar
Histórias para o mundo recordar
No dia em que o meu denso mar
De tão seco quiser secar
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